Entrevista a Paulo Henriques (director do Museu Nacional de Arte Antiga): "Museu de Arte Antiga não tinha plano de exposições para 2008"
Na sua tomada de posse, a ministra da Cultura falou de "um novo ciclo de vida" para o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA). E criticou a orientação da sua antecessora, Dalila Rodrigues, pela aposta na comunicação. Como comenta?
São declarações da senhora ministra. É reconhecido que Dalila Rodrigues fez um bom trabalho de comunicação e convocação de públicos. Em todo o caso, temos que ter conteúdos para comunicar. Penso que, quando se falava de mudança de rumo, talvez fosse dar maior atenção à investigação das colecções e à sua divulgação com exposições temporárias, catálogos ou encontros científicos.
A investigação das colecções não foi feita nos últimos anos?
Não foi prioridade. O facto de não haver planificação de exposições para 2008 é sintomático. Não há, efectivamente, projectos de investigação que possam conduzir a exposições, e as temporárias têm o mérito de renovar e fidelizar públicos. O MNAA tem uma excelente equipa que pode responder ao desafio e é possível contratar gente que proponha projectos relacionados com as colecções.
Não estava prevista uma grande exposição de Zurbarán para 2008? Estava no plano de Dalila Rodrigues apresentado ao Instituto dos Museu e da Conservação (IMC)...
Pedi as propostas a todos os técnicos do museu e o único compromisso que encontrei foi para uma exposição com o escultor Rui Sanches. Havia artistas contemporâneos que ofereciam exposições, mas entendo que temos de nos recentrar nas colecções.
Vai fazer a exposição de Rui Sanches? Vai manter as exposições de arte contemporânea?
A mostra de Rui Sanches terá que ser negociada em função do quadro financeiro, mas, por uma questão de princípio, honra-se sempre os projectos em carteira. No entanto, não considero prioritária a apresentação de arte contemporânea. A colecção vai da Idade Média ao princípio do século XIX e é óbvio que o olhar contemporâneo sobre as obras chama outros públicos - e tem visibilidade mediática, porque a crítica não está tão preparada para falar de arte antiga.
Qual é o seu plano de actividades?
Só comecei a trabalhar dia 3 de Setembro. Já consultei os técnicos do museu e sondei o universo académico, porque há boas teses de mestrado e doutoramento que se debruçam sobre peças da colecção e permitem fazer boas exposições. O circuito internacional ganha-se implicando o MNAA na produção, com outras instituições pares. Gostaria que, em 2008, houvesse três exposições: sobre escultura (disciplina que tem sido muito pouco olhada pelo museu), artes decorativas (cerâmica, joalharia ou mobiliário) e pintura. Mas é prematuro anunciá-las. Vai ser um ano de contactos, para em 2009 termos uma exposição internacional. E o MNAA tem a responsabilidade de ser a referência na museologia nacional.
Ao tomar posse disse que o MNAA perdeu esse papel de referência...
Creio que sim. Não o perdeu materialmente, porque há todo um património de conhecimento, os primeiros cursos de conservadores saíram daqui e o serviço educativo começou, nos anos 40/50, com João Couto e Madalena Cabral. O MNAA era uma casa-mãe em termos de práticas museológicas. É bom que se perceba que, para visitarmos uma bela exposição, alguém estudou os objectos, encontrou uma lógica para os juntar, mandou conservá-los e restaurá-los, e há um serviço educativo que ajuda o público a interpretá-los melhor.
Exposições a partir das colecções, projecção internacional, conservação, pessoal especializado... tudo somado é igual a mais verbas. No primeiro dia em funções, em entrevista ao DN, disse que não negociou isso para aceitar o cargo. Já tem ideia de quanto precisa?
Efectivamente, não negociei. Mas creio que a ministra tem consciência desta questão, do mesmo modo que eu tinha consciência da escassez dos meios com que vinha trabalhar. Não tenho ilusões! E há atitudes que têm que mudar: a sociedade civil tem de ter o sentido da filantropia e a própria equipa do museu não pode ficar naquela fatalidade do "não temos, não fazemos" - nem entrar em esquemas de megalomania! Faz parte das nossas obrigações, como funcionários públicos, aguçar o engenho. Obviamente, tem que haver condições mínimas para se trabalhar. Como não assentámos em definitivo as actividades para 2008, não houve ainda orçamentação, mas, com a nova lei orgânica do IMC, o museu pode fazer uso das receitas próprias que produza, excepto de loja e bilheteira. Claro que o mecenato de fundo é mais interessante, para compromissos a vários anos.
Mas o mecenato com o Millennium bcp não foi negociado directamente pelo MNAA, é o IMC que o reparte pelo Museu Nacional Soares dos Reis e MNAA, e vocês estão dependentes desse dinheiro para as actividades temporárias.
Não exclusivamente, embora seja um apoio central. O Millennium bcp é mecenas do IMC e quiseram que o apoio fosse exclusivo para os dois grandes museus de Lisboa e Porto. Foi negociado pela tutela e será conversado em função dos projectos.
Esse acordo acaba em 2008. Nos últimos dois anos, o MNAA recebeu a maior fatia. Está a contar que volte a ser assim?
Isso está determinado no protocolo.
São 500 mil euros para o MNAA e 100 mil para o Soares dos Reis?
Não, 350 mil euros para o MNAA e 250 mil para o Soares dos Reis.
Para a internacionalização, já desenvolveu contactos com o Turismo de Portugal, que se tem associado a iniciativas culturais?
Ainda não houve tempo para ponderar qual será a oferta do museu e encontrar parceiros. E a internacionalização não passa só pela exportação de exposições, mas pelo convite a especialistas para estudarem os acervos e comissariarem mostras.
O conselho consultivo do museu, cuja criação já anunciou, poderá ajudar nisso. Já há nomes?
Tenho nomes pensados. É um instrumento muito comum na cultura anglo-saxónica e em Espanha. Sei que não vou ficar para sempre na direcção e um museu tem que ter continuidade. O conselho consultivo não é um órgão censor, pelo contrário, e nele deverão ter assento gente das universidades, da museologia, do mecenato e da sociedade civil - sendo o porta-voz mais evidente o Grupo dos Amigos do Museu. Pode instituir-se quase um lobby para interessar gente com poder na área da finança.
A ministra referiu também que o museu teve uma quebra de visitantes no primeiro semestre de 2007. Desceu para quanto?
Desceu em relação ao ano passado, mas há que ter em conta que uma exposição temporária faz aumentar o público. Desde que abriu "O Tapete Oriental em Portugal" [a 31 de Julho], os visitantes aumentaram.
No ano passado, em Maio, o MNAA teve a colecção Rau...
Foi um fenómeno excepcional, sim. Sem querer contrariar a ministra, não daria aos números tanto peso. Houve uma redução de 20 mil visitantes, ou seja, tivemos no primeiro semestre cerca de 60 mil visitantes.
Não é um resultado assim tão alarmante, dado que, antes de Dalila Rodrigues, o museu recebia em média 75 mil pessoas/ano...
Não é um elemento que me preocupe muito e a exposição "O Tapete Oriental" vai, possivelmente, ser prolongada, permitindo-nos recuperar. E há elementos externos, como as mudanças nas rotas turísticas, que interferem na afluência dos públicos. |
O pessoal é um problema da casa há muito e as reformas agravaram o cenário...
O mais grave é a reforma dos quadros técnicos sem possibilidade de substituição.
Quantos funcionários tem o MNAA?
Neste momento, 89, sendo que 16 têm laços precários: contratos-tarefa a três meses. A situação dos vigilantes e recepcionistas pode ser a mais delicada e terá de ser resolvida.
Disse que os funcionários têm que ser mais pró-activos, mas os mecenas querem visibilidade. Se as propostas são menos "visíveis", como atrair os mecenas?
Obviamente que um mecenas ganha grande visibilidade se se encarregar de um restauro, da remontagem de uma ala ou de exposições temporárias. Mas o volume de mecenato também condiciona a visibilidade. A exposição "O Tapete Oriental", que já estava em carteira com José Luís Porfírio [director do MNAA até 2004], tem tanta qualidade que poderia ter circulado. Faremos démarches para isso.
"O Tapete Oriental" vai ao estrangeiro?
Vamos tentar mostrá-la fora de Portugal, em formato mais reduzido. Há sítios e gente interessada, nos EUA e em França, mas isso ainda está a ser ponderado. Mas são coisas que se tratam antes [da inauguração], para garantir calendários e partilhar esforços.
Uma das coisas que a sua antecessora fez foi "desempoeirar" a casa. Rearrumou as colecções, fez um percurso com 10 obras de referência, visitas e, com pequenos apoios mecenáticos, foi modernizando os espaços. É sua intenção continuar isto?
É fundamental. A sensação de conforto melhorou, houve uma requalificação dos espaços, substituíram-se tectos, foi um trabalho importantíssimo mas há outras questões... A colecção do museu é estruturada em pintura, escultura e artes decorativas. O edifício tem dois espaços completamente diferentes: o do Palácio Alvor, que tem a marca de uma casa, e o anexo de 1940, com características museológicas. Há compromissos que se têm que assumir.
Como assim?
A estrutura da colecção é muito cruzada e não podemos esquecer essa ligação e o espaço onde estamos a expor. Não podemos rarefazer a exposição permanente. Um objecto decorativo na colecção de pintura pode esclarecer a estética de um período. A mudança de uma exposição permanente é uma questão muito delicada e a colocação de uma das peças centrais do património nacional, como os Painéis de S.Vicente, na situação actual [ao cimo da escadaria principal], não prestigia a peça.
Vai mudar de sítio os painéis de S.Vicente?
Não o farei de imediato. Para já, cronologicamente não está no sítio certo. Por outro lado, agora está num sítio tão óbvio que a vulgariza. Quer sob o ponto de vista histórico quer pelo estatuto que se lhe atribui, há coisas que vão ter que ser revistas. Houve peças colocadas em reserva que têm que regressar à visibilidade do público, como as porcelanas Médicis (só existem 60 exemplares no mundo), sob o risco de os conservadores passarem por ignorantes. O museu não é um sítio de exercício decorativo. Mas não esperem de mim que comece a desmanchar só por mudar!
Vai continuar com os cursos?
Faz todo o sentido chamar especialistas. Por exemplo, o retábulo de Évora, que está a ser restaurado no Laboratório José de Figueiredo, vai ser exposto aqui no início do próximo ano. E é importante que a propósito daquela peça se convoque um encontro de especialistas e acções para todo o público.
E as festas da Noite dos Museus?
Isso é para manter, a situação festa-cultura não é incompatível. O que não se pode vulgarizar é a situação de festa, as coisas episódicas não podem ser o centro do museu. |